Usamos a expressão ‘journaling’ na ausência de um verbo único em português que se refira a “escrever num diário”, mas no fundo é isso que é o journaling. Não temos necessariamente de tratar um caderno por “querido diário”, mas assemelha-se a esta prática no que diz respeito a usarmos a escrita como meio de documentarmos as nossas vidas. A parte da auto-descoberta é apenas uma feliz coincidência.
Por mais livros que se tenham escrito, por mais documentários e até filmes que tenham sido realizados sobre a 2ª Guerra Mundial, não podemos ignorar o facto do Diário de Anne Frank ter ajudado o Mundo a associar um rosto inocente a esta tragédia de enormes e catastróficas proporções. Aliado a tudo o que hoje sabemos sobre este episódio negro da nossa História, o Diário de Anne Frank serve como uma eterna recordação de que, acima de qualquer guerra, de qualquer conflito, as vidas humanas devem ser preservadas.
Talvez o Diário de Anne Frank seja o mais conhecido dos diários, mas se fosse listar todas as outras personagens históricas que se dedicaram a esta prática, teria de escrever todo um ebook sobre esse tema. Ainda assim, deixo-vos estes exemplos como inspiração.
Leonardo da Vinci
Considerado um dos maiores artistas e intelectuais do Renascimento italiano, o legado de Leonardo da Vinci foi preservado em mais de 7.000 páginas de notas e ilustrações. Os cadernos cobrem tudo, desde o fluxo de rios à óptica, astronomia e arquitetura. Como ele nunca pretendeu publicá-las, as páginas também trazem pequenos lembretes pessoais sobre tarefas e compras do dia-a-dia (tão relacionável!).
Em 2013, a Biblioteca Britânica publicou uma cópia digitalizada do Codex Arundel de 570 páginas de da Vinci, contendo vários dos seus desenhos e criações mais famosos. Com mais de 40 anos de vida do autor em conteúdo, o Codex é considerado um dos mais importantes e visualmente intrigantes cadernos da carreira de da Vinci.
Charles Darwin
Durante o seu tempo a bordo do HMS Beagle, uma expedição de cinco anos que ajudou a estabelecer as bases para sua teoria da evolução, Charles Darwin criou o hábito de guardar cadernos para registar os seus pensamentos e observações. Os diários, rotulados simplesmente nas respectivas capas como A, B, C, D e assim por diante, abrangeram tudo, desde os primeiros esboços de uma árvore evolutiva até notas sobre geologia, novas espécies e reflexões pessoais sobre familiares e amigos.
Hoje, as dezenas de milhares de papéis e cadernos deixados por Darwin podem ser pesquisados online. Atualmente, coleções digitais, com mais de 195.000 páginas e mais de 5.000 ilustrações, estão disponíveis no Darwin Online e na Universidade de Cambridge, em Inglaterra.
Frida Kahlo
Entre 1944 a 1954, a artista mexicana Frida Kahlo manteve um diário ilustrado, repleto de reflexões pessoais, poemas e desenhos conceptuais para futuras obras de arte. O diário de Frida Kahlo foi uma mistura de desabafos, de manifestações de sentimentos pessoais de solidão ou júbilo e de ilustrações dramaticamente coloridas, como, aliás, a sua arte.
O diário é bonito e trágico, com muitas das páginas nos últimos anos de sua vida retratando lágrimas por relacionamentos e pela deterioração da sua própria saúde. Frida não relatava apenas alegria e arte, mas também as tristezas. No fundo, a sua realidade.
Em 2005, Carlos Fuentes publicou uma recriação a cores do diário de 296 páginas de Kahlo, contendo mais de 70 ilustrações em aguarela.
Kurt Cobain
Quem diria que o líder dos Nirvana, uma das bandas mais icónicas dos anos 90 (e de sempre, diriam os fãs), era um ávido praticante de journaling? Se estão familiarizados com a história, a arte e a personalidade de Kurt Cobain, não é assim tão estranho, se pensarmos bem. Profundamente sensível e artístico, Kurt recorria à escrita para criar as incríveis músicas da sua banda, mas não só. As entradas dos journals de Kurt Cobain, registavam também os seus pensamentos desde o final dos anos 1980 até ao seu suicídio, em 1994.
Não há respostas para a sua morte nesta coleção de notas rabiscadas, mas podem ser encontrados primeiros rascunhos de cartas, listas de compras, desenhos, letras de músicas, etc.
Os journals deixados por Kurt revelam uma série de retratos íntimos de um estudante do ensino médio, de um primo e vizinho, de um brilhante, sensível, divertido e mórbido punk rocker que se tornou numa das maiores referências musicais de todos os tempos.
Anne Frank
Provavelmente, o diário mais conhecido em todo o mundo é o de Anne Frank, que se tornou um dos livros mais lidos, importantes e inspiradores do mundo.
O Diário de Anne Frank foi escrito por Anne Frank entre 12 de junho de 1942 e 1.º de agosto de 1944 durante a Segunda Guerra Mundial. É conhecido por narrar momentos vivenciados pelo grupo de judeus confinados num esconderijo durante a ocupação nazi dos Países Baixos.
O Diário de Anne Frank tornou-se um símbolo da opressão judia e um registo de sentimentos, preocupações e medos de uma pré-adolescente da altura da 2ª Guerra Mundial.
Mas Anne não mantinha apenas um diário. Ela também escreveu contos e planeava publicar um livro sobre o seu tempo no Anexo Secreto. Após a guerra, Otto Frank realizou seu desejo. Desde então, o diário de Anne Frank foi traduzido para mais de 70 idiomas.
Já sentes a inspiração?
Como podem perceber por estes exemplos, os diários deixados por estas personalidades históricas ilustres passaram a fazer parte do seu espólio. Mesmo que nunca tenhamos o mesmo reconhecimento, os nossos diários também fazem parte, pelo menos, das nossas memórias de vida.
E como Da Vinci, Darwin ou Frida Kahlo, muitos outros enveredaram pela escrita em diários, como foi o caso de, por exemplo, Albert Einstein, Marie Curie, Mark Twain, Lewis and Clark e Thomas Edison.
Já sentem a inspiração? Quem sabe que descobertas (ou auto-descobertas) e ideias vão nascer dos teus diários?…
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